Vivências da caminhada do povo de hoje
Faltou comida no deserto. Muita murmuração (Ex 16,2). Desta vez, a murmuração é contra o próprio Deus, pois o povo prefere o lugar da escravidão e da morte ao projeto de vida de Deus, que é a libertação voltada para a vida. Diante das dificuldades, a grande tentação é trair o projeto de libertação vendendo "a preço de banana" a liberdade conquistada. Deus enviou o maná, todos os dias. Teve gente que tentava acumular mais do que precisava, mas não conseguia (Ex 16,16.20). E a quem pegava menos, não faltava (Ex 16,18). Se hoje a TV anunciasse: “Na semana que vem vai faltar café e açúcar”, o que iria acontecer? Todo mundo iria comprar café e açúcar nos supermercados. Iríamos acumular para poder atravessar o tempo da falta. No Egito o sistema do faraó estava baseado no acúmulo. Por exemplo, José, o vice-governador do Egito, soube aproveitar a falta de alimentos para acumular para o faraó toda a riqueza do povo do Egito (Gn 47,13-26). A tendência de acumular parece inata em nós, porque o acúmulo nos dá segurança. Primeiro, pensamos em nós mesmos, e só depois nos outros. E esta tendência cresce quando sentimos falta de algo ou quando a fome aperta.
A história do maná é muito conhecida. Mas muitas vezes passa despercebido a mensagem principal desta história do maná. Deus diz que o maná vai ser dado “para que eu o experimente e veja se o povo observe a minha lei, sim ou não!” (Ex 16,4). A história do Maná é, antes de tudo, um teste. Note-se que a colheita do maná deve obedecer a uma distribuição igualitária: todos tem o mesmo direito aos bens, de tal modo que não faltem e não sobrem para ninguém. Em vista disso, é proibido acumular qualquer excedente, que produziria o senso de posse e desigualdade. O sábado marca a passagem de uma vida escrava para uma vida livre: todos têm direito ao descanso, e o dia de Deus é o dia em que o homem se refaz dentro do projeto da liberdade e da vida. Na véspera do sábado, todos podem recolher quantidade dupla da manhã, pois o povo tem dirito de comer também no dia do descanso.
Além de sede, o povo também passou fome ao longo da travessia pelo deserto. Essa fome lhe trazia saudades do tempo da escravidão no Egito, onde, apesar da dureza dos trabalhos forçados, havia pão e carne em abundância. Por isso, começaram a murmurar contra Moisés (Ex 16,2-3). Deus promete fornecer o alimento necessário para a travessia, mas sob uma condição muito importante: o povo deve aprender a vencer a tentação de acumular. Aqui está o ponto chave de toda a espiritualidade bíblica: não acumular, mas saber partilhar e contentar-se com o necessário para cada dia. Tudo o mais é supérfluo. Eles devem colocar sua segurança não no acúmulo nem no dinheiro, mas na partilha, pois, como dirá Jesus, “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13). Sabendo partilhar e sabendo organizar a partilha, haverá comida para todos. Se no Brasil houvesse partilha, não haveria fome, e sobraria comida para todo o resto da América Latina.
No tempo de Jesus, lá na Galiléia, por causa do acúmulo das terras na mão de poucos (latifúndio) e também por causa da repressão romana, o povo passava por muitas necessidades e procurava garantir a sobrevivência acumulando coisas. Muitos viviam preocupados com comida e agasalho, querendo garantir o dia de amanhã. Jesus mandava olhar os passarinhos e as flores do campo. Eles não trabalham e Deus cuida deles. Jesus ensina que o povo não deve ficar preocupado com o dia de amanhã (Mt 6,25-34). E conclui: “Procurem primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todo o resto vos será dado por acréscimo” (Mt 6,33). Procurar o Reino de Deus e a sua justiça é o mesmo que praticar e organizar bem a partilha, para que não falte nada a ninguém. A multiplicação dos pães, narrada seis vezes nos quatro evangelhos (Mt 14,15-21; 15,32-39; Mc 6,34-44; 8,1-9; Lc 9,12-17; Jo 6,1-13), acentua a importância da partilha. Jesus não multiplica qualquer pão. Ele só multiplicou os cinco pães que foram partilhados e oferecidos a ele. A celebração da eucaristia celebra o pão partilhado e denuncia a comunidade que não pratica a partilha (1Cor 11,17-34).
Os primeiros cristãos souberam praticar este ensinamento. E até hoje cantamos: “Os cristãos tinham tudo em comum, dividiam seus bens com alegria. Deus espera que os dons de cada um se repassem com amor no dia a dia” (cf. At 2,44-45; 4,32-35). Era a vontade de viver mais profundamente a lei de Deus, a Boa Nova da lei do amor, que levou Barnabé a dividir e partilhar uma pequena roça (At 4,36-37). Foi a vontade de se promover a si mesmo a custa da comunidade que levou Ananias e Safira a enganar os irmãos. Os dois morreram para a vida comunitária (At 5,1-11). Jesus só multiplica o pão que for partilhado.
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